segunda-feira, janeiro 09, 2023

Das coisas que mamãe e papai me ensinaram

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A cantora e compositora Leci Brandão tem em seu repertório um partido-alto animado, intitulado "As coisas que mamãe me ensinou". A letra é imbuída de ensinamentos que formaram muitas famílias negras. Coisas que sua mamãe, também de nome Lecy (com a letra Y no final), ensinou à menina carioca nascida e criada no bairro de Madureira e que veio a se identificar com a escola de samba Estação Primeira de Mangueira.

Ao ritmo do cavaco e do tantã, ela desfila um rol de lembranças da infância, como receitas culinárias, dicas caseiras para curar doenças e ensinamentos de bons modos (um bom-dia, boa-tarde/ com licença, por favor/ tudo isso é resultado das coisas/ que mamãe me ensinou). Creio que Leci Brandão gostaria de ter falado de muito mais coisas que nos foram ensinadas pelos antigos, mas não couberam na gravação. Em especial, alertas para se defender do racismo institucional que assola o país desde sempre.

Vai sair? Leva um documento com foto. Quem foi adolescente na década de 1980, como é o meu caso, deve ter escutado muito isso. Minha geração era estimulada a amadurecer mais cedo. Aos onze, doze anos, eu e alguns coleguinhas já entrávamos sozinhos no transporte coletivo (sem a companhia dos pais) para ir à escola, jogar futebol etc. E aos meninos negros era recomendado levar algum documento de identificação com foto. Por ser filho de pai militar, eu tinha o RG emitido pelo Exército e, óbvio, carregava a carteira sempre comigo. Segundo meus pais, caso eu me perdesse, seria mais fácil me localizar e eu não iria parar na temida Febem, destino de quem não soubesse dizer onde morava ou se a autoridade desconfiasse que o garoto não tinha pai nem mãe.

Não mexe em nada! Isso era praxe. Antes mesmo de entrar em algum comércio, eu já ouvia: "não fica colocando a mão nas mercadorias". Ainda mais se não fosse comprar nada. Ora, os negros já são observados (e perseguidos) naturalmente quando entram em loja, supermercado, armazém, padaria ou shopping center. Para um dono desses estabelecimentos (geralmente branco) acusar que a gente está roubando alguma coisa, pouco custa. Daí nossos pais recomendarem que não mexêssemos em nada das gôndolas ou prateleiras. Afinal, criança não tem dinheiro mesmo.

Guarda a nota fiscal! Recomendação autoexplicativa. Temos visto diariamente "casos isolados" de agressões a jovens negros acusados de roubo em lojas, supermercados e shoppings. Por "coincidência", os seguranças desses centros de comércio tendem a confundir negros com criminosos, espancá-los e expulsá-los dos locais. Chegamos ao ponto que uma mera nota fiscal pode servir de carta de alforria.

Vai sair? Então te arruma bem! Uma das grandes preocupações — ou incomodações — da população negra sempre foi com a aparência física. Esse aspecto tem um papel primordial na formação e no desenvolvimento dos estereótipos. As aparências vão ao encontro do status socioeconômico. Não há coisa mais aviltante para um afro-brasileiro do que ouvir a insinuação de ser um "negro sujo", como se a sujeira fosse a própria cor da pele. Os pais sempre querem que seu filho negro, ao sair na rua, esteja de banho tomado, perfumado, bem arrumado, com roupa limpa e bonita. E de cabelo penteado ou cortado, bem curto, à máquina.

Assuntos como discriminação racial sempre fizeram parte da educação dos filhos de cidadãos afro-americanos. A discussão se acentuou nos lares das famílias negras nos Estados Unidos após o assassinato de George Floyd, estrangulado por um policial branco durante uma abordagem, em Minneapolis, em maio de 2020.

No Brasil, falar sobre racismo com as crianças é primordial. Um dos maiores desserviços é dizer que "somos todos iguais", ressalta a organização americana The Counscious Kid. Para especialistas, os pais devem falar sobre racismo com as crianças desde cedo.

Um bom início é buscar informação de qualidade para entender como funciona o racismo e como ele organiza a sociedade, assim como dizer a verdade às crianças. Mesmo que pegas de surpresa por assuntos delicados, as famílias devem se lembrar de respondê-las com honestidade. Conhecer artistas, políticos, ativistas e cientistas negros é ampliar o leque de referências positivas. Exemplos existem aos montes: Lázaro Ramos, Maju Coutinho, Emicida, Conceição Evaristo, Milton Santos...

Por fim, defender a educação antirracista. A escola é um excelente meio de convivência com a diversidade. Pintou o bullying, é função da escola conversar, intervir. E a conversa deve continuar em casa. Com as coisas que papais e mamães devem ensinar.

Tags: antirracista artigo george floyd opinião racismo


terça-feira, agosto 23, 2022

Aventuras de um jornalista afromestiço em um castelo no meio do pampa (parte 1)

Das coisas que eu sinto saudades dos tempos quando eu trabalhava no Palácio Piratini eram as viagens para o interior do Estado. Percorri muitas cidades pelo Rio Grande do Sul afora e que se não fosse por trabalho, dificilmente eu teria conhecido aqueles municípios.

E foram vários. Acho que uns 50, num cálculo baixo, num período de quatro anos. Muito em função das tais interiorizações, que eram a transferência do gabinete do governador para uma cidade do interior, conforme a região. Geralmente isso acontecia uma ou duas vezes por mês.

Eu era o coordenador do serviço de rádio do Palácio Piratini. Liderava uma equipe de três pessoas (dois jornalistas CC's e um técnico operacional) mais dois estagiários. Eu respondia pelo estúdio de rádio, o local da histórica transmissão da Rede da Legalidade. Fazia transmissões ao vivo; acompanhava a agenda do governador para gerar notícias que resultavam em boletins gravados (nossos maiores "clientes" eram as rádios do interior e emissoras independentes); releases eletrônicos; mantinha contatos com os meios de comunicação; acompanhava entrevistas coletivas; produção de projetos especiais e mais uma gama de funções (quebra-galhos).

Voltando às interiorizações, das inúmeras que fiz, teve uma bem marcante: a visita ao castelo da família Assis Brasil, em Pedras Altas, cidade localizada a uns 300 quilômetros de Porto Alegre, em março de 2005.


Foi marcante pelo caráter histórico e desafio profissional. Neste texto falo pelo sentido histórico. Numa segunda parte, falarei dos bastidores da transmissão que fiz para a rede de rádios da região sul do Estado.


O Castelo de Pedras Altas, idealizado por Joaquim Francisco de Assis Brasil, se localiza no município de mesmo nome, ao sul do Estado. A construção, com traços medievais, durou de 1909 a 1913. Foi prova de amor de Assis Brasil à segunda esposa, Lídia Pereira Felício de São Mamede. Ele não mediu esforços para concretizar o projeto. Trouxe calceteiros da Espanha especialmente para erigir o castelo onde foi assinada a Paz de Pedras Altas, acordo que pôs fim à Revolução de 1923, repetição do confronto entre chimangos e maragatos.


Assis Brasil transformou a propriedade em espaço altamente produtivo que impulsionou a atrasada pecuária gaúcha. Promoveu a importação de matrizes das raças Jersey (da Inglaterra), além de touros Devon, cavalos árabes e ovelhas Karakuk e Ideal. Introduziu novas espécies de árvores, construiu estrebarias, galpões e porteiras que funcionam até hoje. Foi inventor de diversos utensílios, como a bomba de chimarrão de mil furos que jamais entope e leva o seu nome.


Na entrada da propriedade é possível ler, lapidada no piso, a frase: “Bem-vindo à mansão que encerra / Dura lida e doce calma / O arado que educa a terra / O livro que amanha a alma”.


A biblioteca é composta de 15 mil exemplares. O lugar abriga obras em inglês, francês, português e latim. O castelo mantém até hoje móveis trazidos de Nova Iorque. Foram instaladas 12 lareiras, espalhadas pelo prédio para enfrentar o rigoroso inverno do pampa gaúcho.



Apesar de eu integrar a comitiva governamental, apenas o chefe do Executivo estadual e mais meia dúzia de seletíssimos convidados entraram na histórica edificação. Na época, o imóvel estava fechado para visitações pois estava à venda. Foi oferecido ao município de Pedras Altas, ao Estado e à União. Os descendentes de Assis Brasil desistiram. O custo de conservação é muito elevado, impossível de ser coberto com a simples cobrança de ingressos.

Na próxima narrativa falarei sobre a transmissão da rede de rádios que fiz na interiorização em Pedras Altas. 

quarta-feira, julho 27, 2022

Sim, fui demitido!

 Demissões no mercado de trabalho acontecem. Principalmente na iniciativa privada. É normal de acontecer, são comuns e até certo modo são previsíveis. Mas há maneiras e maneiras.


Fui demitido em janeiro de 2021 da empresa que trabalhei durante 10 anos já que não supri as expectativas da instituição, que esperava que eu executasse a função de quatro pessoas ao mesmo tempo (jornalista, roteirista, apresentador, produtor).

No mundo corporativo eles utilizam um termo em inglês bonitinho o famoso hands on, que não significa fazer o trabalho de outras pessoas, mas no Brasil serve para justificar a sua sobrecarga de trabalho. Um belo dia, fazendo um relatório sobre minhas funções fiquei impressionado sobre o volume de trabalho que fiz em menos de um ano. Sozinho, eu havia feito o trabalho de quatro profissionais. Detalhe: quando comecei a trabalhar no setor, havia cinco jornalistas. Um a um, os colegas foram saindo, por demissão ou por vontade própria.

Eu fui permanecendo no emprego e no setor, porém, o quadro funcional não foi sendo reposto ou ampliado. As vagas não foram preenchidas, e as funções iam sendo distribuídas para os profissionais que permaneciam trabalhando no setor. Até que o quadro foi reduzindo, reduzindo, reduzindo, até sobrar o caboclo aqui. No início, só me restava dar conta, na medida do possível. Só que o grau de exigência para um indivíduo era como se fosse para uma equipe. Por dois anos e meio escutei a promessa por parte da minha chefa de que ela não estava poupando esforços para negociar junto à direção da empresa novas contratações para o setor. Dois anos e meio. Adivinhem se houve aumento de salário para o profissional que sobrou no setor...

Quando você faz o seu trabalho e de mais outras pessoas, você precisa delegar, você precisa de pessoas para ajudar, que na maioria das vezes estão esperando o mundo acabar em barranco para se escorar essa é a verdade do mundo corporativo, o problema é que nem todo mundo está na mesma sintonia.

Por coincidência (ou não), meses antes da minha demissão eu mencionei em relatório para a líder do setor que eu estava fazendo sozinho ʺa função de vários profissionaisʺ, tendo ainda que ser ʺcriativo, rápido, talentoso e eficienteʺ. A chefa me encheu de desculpas colocando, claro, a culpa na empresa, que não contratava, mas que ela via o meu esforço profissional e que ʺnão estava medindo esforçosʺ para tentar ampliar a equipe.

Quando eu pensei que iriam me aliviar o volume de trabalho (que já era cavalar), qual minha surpresa? A cada dia eu recebia MAIS TRABALHO AINDA, com cobranças e exigências diárias, algumas até virulentas. Fora a participação de aspones que vivem puxando o saco da chefia.



Falando em chefia, casualmente ou não o grau de cobrança exigido a mim passou a ser maior quando assumiu um diretor vindo de terra distante querendo mudar toda a estrutura do setor. Por exigência do tal diretor, tivemos que nos mudar de prédio e ele quis o término do trabalho em home office (estávamos em plena pandemia e sequer havia iniciado a aplicação da primeira dose da vacina contra a Covid-19 no Brasil). Meus gestores passivamente e incontestes tal qual vaquinhas de presépio aderiram de primeira hora às ideias do cara que mal conhecia Porto Alegre nem a realidade da instituição.

Um belo dia, após um período ensandecido de trabalho e de finalmente ter batido a meta, fui chamado à salinha da chefa e fui comunicado de que meus serviços estavam sendo dispensados naquele momento.

Respeito muito todos os profissionais que trabalhei, mas me respeito muito mais, e sinto bastante a falta de respeito com que fui tratado. Me chamaram para me demitir às nove da manhã, na volta das férias obrigatórias de final de ano (aquele período que abrange a semana anterior ao Natal e vai até a semana posterior ao Ano Novo). Eu iria pedir para a minha chefa para sair um pouco mais cedo para uma consulta médica. Dificilmente eu saía no meio do trabalho para esse tipo de coisa. Nem atestado eu apresentava. Perdi as contas de quantas vezes fui trabalhar doente, febril, e com a saúde descontada. Quando entrei na salinha notei que ao lado da minha chefa estava a encomendada do RH. ʺSenta aíʺ, disse a chefia. Entendi tudo. Era só somar 2 + 2. Ao sentar, senti que estava na rua.

De certa forma, não fiquei surpreso com a demissão, mas com a forma. Ironicamente, o diretor vindo de terra distante que chegou para revolucionar o setor foi mandado embora poucas semanas depois de mim. Os colegas, arrancados do home office, por ordem da direção suprema da empresa, voltaram a trabalhar de casa.

Mas sabe a minha tranquilidade? Conheço o incrível profissional que eu sou. Sei o que estudei, ralei, sofri, trabalhei para chegar onde estou. Sei do meu valor. A instituição não me merecia.

Sabemos que mentes pequenas estão predestinadas a definhar em alguns anos! Vamos avante! Que venham os próximos desafios.

segunda-feira, maio 16, 2022

E fez-se a luz e o Carnaval!

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Postado em A Entrudeira


   E finalmente fez-se a luz e o carnaval! Depois de um período pré-carnavalesco de 800 dias (!!!), o porto-alegrense pôde se reencontrar com a folia. Incrível imaginar que a última escola de samba que havia desfilado no Complexo Cultural do Porto Seco fora a Bambas da Orgia, na já longínqua manhã de 8 de março de 2020 (Dia Internacional da Mulher). Portanto, em um intervalo interminável de 800 dias!

   Logo após o final do carnaval de 2020 o planeta conheceu uma doença infecciosa surgida na China com graves consequências no contexto universal. No dia 11 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou pandemia do novo coronavírus. A doença ganhou o nome de Covid-19 e o resto todos sabem o que aconteceu.

   O cenário carnavalesco virou do avesso: desfiles fora de época cancelados em várias cidades, quadras de ensaios fechadas, eventos suspensos, trabalhadores (principalmente os da área artística e de eventos) sem trabalho. O ano de 2021 passou em branco em termos de desfiles e 2022 iniciou sem a garantia da realização da festa devido ao aumento de casos e internações por Covid-19.

  Diante desse cenário, a decisão foi adiar os desfiles carnavalescos para o feriado de Tiradentes, no mês de abril (São Paulo e Rio de Janeiro) e dias 6, 7 e 8 de maio (Porto Alegre).

   E podemos dizer que Porto Alegre foi privilegiada nesse sentido. Dos 496 municípios que formam o estado do Rio Grande do Sul, apenas quatro cidades realizaram desfiles de escolas de samba: Santa Cruz do Sul, São Leopoldo, Cruz Alta e a capital gaúcha, que está comemorando 250 anos de fundação. E olha que polos importantes do interior suspenderam a folia, como Uruguaiana, Pelotas, Guaíba, Canoas, Tapes, Santa Maria, Santana do Livramento, Arroio do Sal, Jaguarão, Rio Grande, etc. Mas cá entre nós: não foi só por causa da Covid.

   Enfim, a expectativa era grande para os desfiles de Porto Alegre em 2022! Às duas ligas gestoras do carnaval, UESPA e UECGAPA, somaram forças a duas empresas para a promoção da festa: a produtora Cubo Filmes (detentora dos direitos de transmissão em vídeo dos desfiles) e a 3M Eventos e Produções (responsável pela montagem da infraestrutura do sambódromo).

   Foi o carnaval da retomada, cheio de resistência e de luta. Três noites de empenho com as escolas levando para o Sambódromo garra e determinação entregando um belo espetáculo para a comunidade carnavalesca.

   A Imperadores do Samba se sagrou campeã do Carnaval 2022, com o enredo “Imperadores do Samba Orgulhosamente Apresenta um Espetáculo entre os Palcos da Cidade”. Entre os destaques da vermelha e branca estavam carros alegóricos representando grandes palcos da capital gaúcha, como o Theatro São Pedro, o Anfiteatro Pôr-do-Sol e a Casa de Cultura Mario Quintana.

   Com 159,9 pontos, a Imperadores conquistou o 21º título, seguida pelos Bambas da Orgia, em segundo lugar, com 159,6, e a Imperatriz Dona Leopoldina, em terceiro,com 158,4. A Império da Zona Norte, com 157,6 pontos, ficou em nono lugar e, conforme o regulamento do carnaval, foi rebaixada e vai desfilar na Série Prata em 2023.

   A campeã do Grupo Prata foi a Realeza. Conhecida como a “Mimosa” do bairro Partenon, a escola abordou o tema “Eles Combinaram de Nos Matar, Nós Combinamos de Não Morrer”, sobre a resistência do povo preto, especialmente no Rio Grande do Sul, mencionando a participação dos Lanceiros Negros na Revolução Farroupilha e também evocou a religiosidade do negro gaúcho. O segundo lugar ficou com a Unidos Vila Isabel. As duas primeiras sobem para o Grupo Ouro em 2023, que contará com dez escolas de samba.

   No Grupo Bronze, a vencedora foi a Filhos de Maria, que levou para o desfile a história de sucesso da Orquestra Villa-Lobos, escola musical sediada na Lomba do Pinheiro, na zona leste de Porto Alegre, mesmo bairro da entidade campeã. Protegidos da Princesa Isabel ficou em segundo, Mocidade Independente da Lomba Pinheiro em terceiro e Acadêmicos da Orgia em quarto lugar. As quatro ascendem ao Grupo Prata ano que vem, que terá dez agremiações.

   Conforme o regulamento do Carnaval 2022 de Porto Alegre, a Série Bronze será extinta em 2023 e as duas últimas escolas posicionadas nesta categoria (Unidos do Guajuviras, de Canoas, e Academia de Samba Cohab-Santa Rita, de Guaíba) só voltarão a desfilar competitivamente na capital a partir de 2025.

   Enfim, os repiques e os tamborins voltaram a soar, os cavacos voltaram a chorar, assim como os giros das alas de baianas e o bailar dos mestres-salas e porta-bandeiras. Que em 2023 voltemos ao calendário normal de desfiles. Parafraseando o enredo da Unidos da Viradouro, "Não há tristeza que possa suportar tanta alegria".


Fabiana Almeida e Robson Jardim, 1º Casal Mestre-Sala e Porta-Bandeira de Bambas da Orgia - Carnaval Enfoco/Japa Fotografia


CARNAVAL 2022 – CLASSIFICAÇÃO FINAL


Série Ouro


1. Imperadores do Samba 159,9 pts

2. Bambas da Orgia 159,6 pts

3. Imperatriz Dona Leopoldina 158,4 pts

4. Estado Maior da Restinga 158,3 pts

5. Fidalgos e Aristocratas 157,9 pts

6. Império do Sol 157,8 pts

7. Acadêmicos de Gravataí 157,7 pts

8. União da Vila do IAPI 157,7 pts

9. Império da Zona Norte 157,6 pts (REBAIXADA PARA A SÉRIE PRATA)


Série Prata


1. Realeza 158,9 pts (SOBE PARA O OURO)

2. Vila Isabel 158,8 pts (SOBE PARA O OURO)

3. União da Tinga 157.9 pts

4. Praiana 157.9 pts

5. Copacabana 157,8 pts

6. Unidos de Vila Mapa 156, 9 pts

7. Samba Puro 156,7 pts


Série Bronze


1. Filhos de Maria 159,1 pts (SOBE PARA O PRATA)

2. Protegidos da Princesa Isabel 158,1 pts (SOBE PARA O PRATA)

3. Mocidade da Lomba do Pinheiro 156,9 pts (SOBE PARA O PRATA)

4. Acadêmicos da Orgia 156,6 pts (SOBE PARA O PRATA)

5. Unidos do Guajuviras 156,3 pts (a escola se licencia compulsoriamente do carnaval de Porto Alegre por 2 anos)

6. Academia de Samba Cohab-Santa Rita 137,1 pts (a escola se licencia compulsoriamente do carnaval de Porto Alegre por 2 anos)

sexta-feira, abril 08, 2022

Onde estão os negros na Argentina?

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postado no Correio Brasiliense em 06/03/2021 06:00

 Por GERSON BRISOLARA — Jornalista com atuação em comunicação social e organizacional, educação corporativa e assessoria na imprensa gaúcha


Afroargentinos tocando candombe en una fogata de San Juan – 1938.

Um assunto sempre me deixou intrigado ao acompanhar as competições esportivas nos meios de comunicação: o fato de eu nunca ter visto um negro atuando em qualquer seleção esportiva argentina, seja em copa do mundo seja em jogos pan-americanos ou olímpicos. Houve escravidão em toda a América Latina. Basta ver atletas e artistas brasileiros, uruguaios, colombianos, equatorianos, venezuelanos, peruanos etc. O que, afinal, aconteceu com os negros da Argentina?

Jorge Lanata é um importante jornalista argentino, fundador do diário Página/12 e autor de Argentinos (Ed. Argentina), belíssima história do país em dois volumes, lançada em 2002. Na obra, ele refere-se aos negros como “los primeiros desaparecidos”, referência aos mortos pela ditadura militar dos idos de 1970 e 1980. E traz dados mais antigos: no censo de 1778, 30% da população tinha origem africana. A proporção se mantém no censo de 1810, cai para 25% em 1838. Em 1887, repentinamente, compõe menos de 2%. Mas bem no início, há depoimentos de que a proporção de negros e brancos em Buenos Aires chegou a ser de 5 para 1. Segundo recente estudo genético autossômico de 2012, a composição da Argentina tem ascendência europeia (65%), indígena (31%) e africana (4%).

Durante seu primeiro século, a capital argentina sobreviveu à custa do comércio negreiro. Do século 16 até a primeira metade do 17, a coroa espanhola drenava o ouro e a prata na região do Potosí, na atual Bolívia. Foi esse negócio que deu nome ao rio da Prata — foram principalmente as mãos negras que tiraram das minas subterrâneas os metais que sustentaram a Europa. Os negros escravizados de Potosí vinham, principalmente, de Angola. Eram negociados pelos peruleiros (comerciantes do Brasil que tratavam com os espanhóis do Peru, no século 18), que faziam a rota Potosí-Buenos Aires-Rio-Luanda.

O Rio de Janeiro, de modo semelhante, era dependente do tráfico. No Cais do Valongo chegavam os escravizados, pagos, em geral, não com dinheiro, mas com açúcar, cachaça, mandioca e tabaco, que serviam de moeda de troca na África. Muitos eram então transportados para Buenos Aires. E enviados rio Prata acima até as minas. A relação na rota de tráfico entre Rio e Buenos Aires era tão próxima que, quando veio a separação da União Ibérica, os cariocas chegaram a sugerir aos “hermanos” que se bandeassem para o lado português.

Como no Brasil, todo o serviço, doméstico ou não, nos séculos 17 e 18 na Argentina era feito por mão de obra negra escravizada. Então desapareceram, e a história local ensinada nas escolas se cala sobre o tema. Francisco Morrone, autor de Los negros en el ejército: declinación demográfica e disolución, é um dos historiadores que tenta recuperar o que houve. Segundo Morrone, uma das explicações é a prática de casamentos mistos que, lentamente, clarearam a pele dos descendentes.

A abolição da escravatura na Argentina começou em 1813, sendo confirmada pela Constituição de 1853 — bem antes da brasileira. Ao longo do século 19 todo, o país se meteu em guerras, uma após a outra. Por todo esse período belicista, a Argentina pôs seus negros na linha de frente dos exércitos, eram os primeiros a levar tiros, às vezes de espingardas — muitas vezes servindo de isca para o inimigo.

O golpe final foi a grande epidemia de febre amarela de 1871, que se abateu sobre bairros afastados e de extrema pobreza de Buenos Aires (guetos), para onde os negros que sobraram foram transferidos.
Depois, no começo do século 20, assim como no Brasil, houve uma enorme imigração europeia, principalmente de italianos, que marcaram o sotaque portenho como marcaram cá o paulistano. Devido a essa imigração em massa, há um ditado que diz que “os argentinos são italianos que falam espanhol e que pensam que são ingleses”. A diferença é que, a essa altura, faltou melanina para escurecer a pele da população restante.

De acordo com alguns historiadores, o efeito mais duradouro da influência africana na Argentina aconteceu na cultura artística musical, o tango, que fazia parte das cerimônias religiosas dos cativos conhecidas como tangós. Eram mestiços os primeiros compositores de tangos.

A Argentina teve, sim, presença negra, assim como o Brasil e, em certo momento, na mesma proporção. Logo após a independência, aboliu o regime escravista e pôr em marcha uma política de branqueamento da população. Algo equivalente a genocídio. Diga-se de passagem, na República Velha, isto foi motivo de inveja por parte do governo brasileiro. Nessa história, não há inocentes.